9. a vida rota pelos desvios

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08/01/2009, quinta-feira do aprendizado.



estórias atravessam retina
em sensação rasteira
se vão
em pedaço de memória
abraçam
quando convém


de resto

sobram mentira

de uma vida inteira.

08/jan/2009





café de dona Wilma muito especial. frutas, café e pão com queijo. caminhada longa ao trevo fora da cidade. sem ponto de ônibus. sem sombra. deu raiva do céu. depois de 2 horas e meia, finalmente, um carro encostou.


beira de beirada.


Fernando era a 16ª carona. rapaz sério e reservado. o pouco que falava era efetivo. passava sufoco com os buracos da estrada. convenceu-nos em meias palavras a mudar da rota do Rio São Francisco. falou para seguirmos para a Chapada Diamantina-BA. dizia ser um lugar incrível. já tínhamos curiosidade em conhecê-la e topamos desviar leste ao invés de continuar norte.


desvio (clique na foto para ver aumentado).


algumas tentativas num posto na saída de Ibotirama-BA. sem sucesso. tivemos que caminhar mais 1,5 Km até um outro posto que supostamente seria melhor. lá ficamos boas 3 horas e nada. tentei falar com todos os frentistas. até que Alcides, um eletrecista de uma oficina ali da estrada, nos ofereceu dinheiro (R$12) para almoçar. aceitamos. sua mãe nos confortou com refrigerante pratos e talheres. logo depois, ele ofereceu comprar duas passagens para Seabra-BA - cidade de acesso à Chapada Diamantina-BA. queria nos ajudar de qualquer jeito. agradecemos, mas hesitamos. tentamos mais 1h de carona. Alcides nos convenceu a aceitar.

sentamos e conversamos com um caminhoneiro que estava ali parado. ele pegou uma viola de 10 cordas e tocou músicas pantaneiras. toquei alguns sambas que ele desconhecia. momento emocionante com Ézito Pinheiro. (trovoadas esparsas). um amigo gaúcho dele só acompanhava em silêncio. não há registro de foto, infelizmente.

Alcides nos levou à rodoviária. fez questão de comprar duas passagens (R$21 cada) e ainda ajudar financeiramente (R$50) para mais tarde dormir em algum lugar. sem contar que sua mãe havia me dado R$ 30 para tais despesas. juro que tentei hesitar. e ele me matou ao afirmar: "eu to aqui instalado, vocês estão na estrada e a gente não sabe o dia de amanhã". pagou e foi-se embora. ação totalmente gratuita. fiquei pasmo. aquilo mexeu muito comigo. demorei a aceitar aquela bondade com leveza de felicidade. o susto, por ora, escondia a emoção do aprendizado.

a passagem só era pra bem mais tarde. na rodoviária, Jandir puxou conversa e o tempo correu. contou sobre sua cidade natal Xique-Xique-BA. insistiu que fossemos pra lá depois de ir à Chapada, o que seria meio fora de mão, já que tínhamos desviado [consultar o mapa da Bahia a cima]. pegamos o contato de um primo dele e cogitamos dar uma passada antes de chegar à Pernambuco. ainda sob efeito de emoção, ouvimos um dizer sábio de Jandir "quem vive de realidade já viveu de sonho".

21h30 subimos no ônibus e a lua fez questão de nos acompanhar. comemoramos as surpresas dos desvios com cachaça da adega de Minas que não matamos no reveillon. alegria não se contia. pela janela, os relevos guardavam mistérios nos seus escuros noturnos. aviso de beleza para o dia seguinte.

chegada em Seabra-BA. quase meia noite. pousadinha tosca em frente à rodoviária. R$7,50 pra dormir e folha de caderno escrita pra limpar o 'forévis'.


a cor mais verde que existe.


sono.



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09/01/2009, sexta-feira do impacto.




fui acordado por uma súbita pontada estomacal (leia-se caganeira). acho que Alcides sabia do tal "dia de amanhã". Pedrinho logo sentiu a misteriosa pontada na barriga. fomos pragados pelo misto quente da rodoviária de Ibotirama. recuperamo-nos minimamente com bananas na veia e pegamos o ônibus que levou de Seabra-BA à Palmeiras-BA, já dentro da Chapada. o visual beirava sonho. outras esferas que não estradas e urbanização intensa.



recepção.


caminhando por Palmeiras em clima pacato. cruzávamos a pequena cidade a pé na tentativa de pegar uma carona que nos levasse ao Vale do Capão por uma estrada de terra, onde finalmente pararíamos para descansar pelo fim-de-semana.


saída de Palmeiras-BA.


conversa com nativos. bananas pra curar a barrigueira. micro-ônibus cheio pra nos levar ao Vale. chegamos na padaria de dona Jusceli, onde talvez conseguíssemos encontrar uma conhecida que estudou comigo no pré-vestibular e que agora mora na Chapada. sendo que não tínhamos avisado nada. fomos na sorte. perguntamos por ela - Livia - e rapidamente nos apareceu surpresa e solícita. já recebia gente em sua casa e nos levou na de um casal de conhecidos. Juliana e Tuza, ela do Rio de Janeiro e ele nativo do Capão.


casinha ideal.


foi momento de sentir o espírito acalmar. o ritmo de estrada e acontecimentos inesperados era frenético. conversamos bastante com Tuza. mostramos os trajetos pelo mapa e contamos algumas estórias, inclusive a mais chocante, do dia anterior com Alcides na beira da rodovia. sujeito muito calmo e interessado. mostrou-nos sua horta e seus planos de montar um camping numa parte de seu terreno que havia sofrido uma queimada. a casa tinha uma vista incrível.


"quando o vento toca de lá, da pra ouvir a água da montanha";
"a Chapada é um oasis no meio da Bahia"
disse Tuza.



ofereceu chá de boldo recolhido na hora e preparado com água natural de rio, que lá é potável. foi o suficiente pra nos assentar e respirar a mudança de ares. uma ótima primeira impressão. lugar de imponência subsistente. vimos que não seria possível ficar ali na casa e também não queríamos incomodá-los. fomos para o camping do Seu Dai.



estadia com vista.


não levamos barraca, pois não esperávamos enfrentar algum lugar com estrutura, fora que as bagagens já estavam bem pesadas. ficamos num quartinho por R$10. poderíamos cozinhar na cozinha economizar nosso gás. não bastando o choque de realidade, encontramos um amigo inusitado, o Bagu. havia saído de casa com pouco dinheiro para trabalhar na festa "universo paralelo". depois do evento, ao invés de voltar pra casa, pegou uma carona em um caminhão de melancia pra Chapada. estava lá tão repentino quanto nós.


Bagu de chapéu.


pela noite, comemos tapioca e tomamos sopa deliciosa de abóbora com gengibre no aconchegante restaurante de Tuza e Juliana.


aconchego da sopa.


demos uma volta pela vila. garoava. esbarramos com um pessoal do camping que nos convidou pra uma cerveja - Vivi, Mona, Talita e Samuel. alguns deles já tinham ido lá. contaram de trilhas. conversa de bar. a cabeça pedia um travesseiro para acostumar as idéias.


sono.



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4 comentários:

Anônimo disse...

pão de queijo com café,
a cor mais verde que existe,
e cachorro na janela
eita caminho do sertão bão!
..
:)
manita

Marcelo disse...

Fantástico!

Anônimo disse...

"quem vive de realidade já viveu de sonho".


isso me emocionou....

Temos aqueles currupitos la em Brasilia, mas em compensação, temos pessoas com coração imenso, iguais a esse no nosso Brasil.

A trajetoria de vocês é show, naum conssegui parar de ler, e vou a te o final hoje ainda..

Abraços

Legis disse...

Uau. Que história massa.
Adorei, assim como adorei ir ao Capão.
Minha ida para lá também foi assim, inesperada, no entanto, nossa, MARAVILHOSA, jamais esquecerei este lugar.
E irei muitas vezes.
Que lindo saber que existem pessoas nesse mundão, que ajudam, se comovem, nos comove.

Adorei ler o relato e, vcs que passaram pela experiência, nossa, deve ter sido demais.
Quero ter coragem em breve para me aventurar assim.

_o/

PS: Meu relato aqui ó: http://migre.me/5SDtk , em meu blog, caso interesse ler.

Abraçooos!